Roteiros Incriveis

Sr. Hugo: o rei da coroa de abacaxi

Sr. Hugo em um dos marcos históricos da construção da Alaska Highway, que completa 75 anos em 2017 | Arthur Seixas

Um livro de páginas abertas cujo último capítulo está sendo escrito naquele exato momento. Esta era a sensação do Sr. Hugo Vidal, 84 anos, que remontou, em julho passado, a parte final do trajeto que fez do Brasil ao Alasca, em 1955.

A bordo de um Jeep com mais dois amigos, Charles Downey e Jan Stekly, hoje já falecidos, Sr. Hugo saiu de São Paulo rumo ao Canadá, inicialmente. O intuito do trio de aventureiros era participar do primeiro Jamboree – grande encontro de escoteiros – a ser realizado no continente americano. “Isso gerou um interesse, uma faísca… e se a gente fosse por terra? Era uma ideia totalmente maluca, mas um desafio difícil de ignorar”, relembra Sr. Hugo.

Os três aventureiros: Jan em cima do carro do lado do passageiro, Hugo dentro do Jeep e Charles do lado do motorista | Overlander

Da esquerda para a direita: Charles, Hugo e Jan passando pelo Rio de Janeiro, a caminho do Canadá | Overlander

Escorregando no barro: um dos desafios do trajeto | Overlander

A conta e o risco

Assim nasceu a “Operation Pineapple” ou, em bom português, a “Operação Abacaxi”. Eles mesmos tinham consciência de que o projeto tinha tudo para dar errado, dos riscos que corriam numa viagem longa, da falta de informação sobre o percurso em um tempo em que não tinha Google, como frisou aos risos o Sr. Hugo.

Não era só esse o problema, contudo. Sem recursos próprios, para que o plano saísse do papel, era necessário que fosse financiado. Foi quando tiveram a brilhante – e arriscada – ideia de oferecê-lo para empresas brasileiras fabricantes de autopeças. “Era uma oportunidade ímpar de demonstrar na prática a qualidade da peças nacionais, o quanto que as peças podiam ser confiáveis. Peça brasileira era abacaxi na época”, recorda o velho escoteiro.

A coroa do abacaxi

A proposta colou. No fim, 25 empresas pegaram carona no devaneio dos três jovens a fim de torná-lo realidade. À coroa da fruta coube a cabeça dos novos corajosos reis da estrada. E dá-lhe desafio! Capotaram com o Jeep entre a Costa Rica e a Nicarágua, socorreram caminhões no barro da Colômbia, na areia do deserto e até no gelo.

Sob nevasca: na estrada com temperatura de 40 graus abaixo de zero | Overlander

Charles e Hugo sobre uma montanha de neve, no ponto mais ao norte | Overlander

 

Já viciados na adrenalina e com o sonho de chegar ao Jamboree atingido, resolveram tentar a última fronteira: o Ártico. Dormiram várias vezes na neve, penaram para achar combustível no meio do nada, enfrentaram o frio glacial de novembro e encararam caminhos em condições precárias. “No Alasca as estradas não eram como hoje, era tudo pedregulho congelado”, lembra Sr. Hugo. Apesar de tudo jogar contra, chegaram a Fairbanks, uma das principais cidades do último estado norte-americano. Objetivo cumprido. Hora de voltar para casa (dirigindo).

O bom filho à casa torna

Ao livro, no entanto, faltava uma conclusão. E eis que 62 anos depois, a lendária rota chamava mais uma vez seu audaz passageiro para a derradeira volta. Em comemoração aos 75 anos da Alaska Highway e dos 150 anos do Canadá, o Sr. Hugo retornou à estrada que traçou a história de sua vida. O convite veio de uma conjunção de fatores que se não forem atribuídos ao destino, nada mais pode explicar.

Sr. Hugo aponta para desenho feito pelos três companheiros no livro de registro do hotel | Arthur Seixas

Décadas após o incêndio do lodge que o trio havia se hospedado nas imediações de Whitehorse, no norte canadense, seu livro de registro foi encontrado intacto com uma mensagem, digamos, um tanto singular. A presença de jipeiros do Brasil por essas terras gélidas aguçou a curiosidade do escritório de turismo do Território de Yukon.

Ao mesmo tempo, o comboio Alaska or Rust, que partia de diferentes partes dos Estados Unidos em direção a Fairbanks, preparava mais uma expedição. Transmissão de pensamentos, colisão de ideias e cá estava novamente o Sr. Hugo, que até agora processa todos os recentes acontecimentos: “faz dias que estou tentando compreender minhas emoções e meus sentimentos… memória, lembrança dos amigos que já se foram e o mistério das coincidências que me trouxeram aqui de novo”.

 

* O livro que narra a aventuras do Sr. Hugo e seus dois amigos, ainda sem título definido, tem previsão para ser lançado até o final de 2017.

 

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Arthur Seixas é fotógrafo e jornalista especializado em viagens, turismo, paisagens e vida selvagem